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Dor não é fragilidade. Ela nos protege contra as agruras da vida

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Dor é a maneira de o corpo dizer que algo está errado e pode envolver aspectos biológicos, psicológicos e sociais. De acordo com a Medicina, é uma sensação desagradável, uma espécie de sentimento e uma forma de reagir, portanto, um comportamento. A psicóloga Dirce Maria Navas Perissinotti, diretora administrativa da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), explica que a dor crônica pode ser psicológica e isso não quer dizer que ela não exista: “Não é coisa da cabeça! Não é simulação! Não é crise histérica! Não é vagabundice!”. Segundo ela, a dor psicológica existe porque, uma vez o sistema biológico ativado, ele se habitua em responder do mesmo jeito porque foi condicionado: “Não se trata a dor, particularmente a crônica, de uma única maneira. Seu tratamento é multidisciplinar porque a dor é multifatorial”. Como o assunto é muito interessante, publicamos uma entrevista exclusiva com a psicóloga Dirce Perissinotti. Confira:

Mulheres estão mais sujeitas à dor crônica?
Segundo pesquisas publicadas sim, as mulheres têm sido mais sujeitas ao desenvolvimento de dor crônica. As justificativas para o fato são relacionadas à predisponentes genéticos, hormonais desde a época fetal, bem como relativas à exposição a estressores ao longo da vida. Não se tem identificado grandes alterações no fato em diferentes culturas o que chama a atenção dos pesquisadores e respondem alegando que também as mulheres são mais voltadas ao autocuidado e buscam mais os serviços de assistência à saúde, além de participarem mais dos protocolos de pesquisa. Com isso, estuda-se mais a população feminina o que poderia contribuir para que se saiba mais sobre a dor crônica em mulheres.

Dizem que na juventude e vida adulta sentimos o corpo pelo prazer e na velhice pela dor, concorda com isso?
Concordo em parte. Esse dito é mais uma observação popular do que constatação científica. Digo que concordo em parte, porque tanto o prazer como a dor são sensações e percebemos o mundo através das sensações. Quanto mais jovem o indivíduo menos ele consegue descrever detalhadamente suas sensações e com isso identifica menor números de sensações, pois tem menos repertório para tanto. Com o transcorrer da vida das experiências vividas nosso arcabouço mental vai se aprimorando e conseguimos porque temos mais recursos descrever melhor as sensações como também desenvolver melhor meios de enfrentamento do que quando mais jovens. Certamente, com a idade muitos sistemas do nosso organismo vão evidenciando seus desgastes e sintomas que quando jovens não se manifestavam começam a dar “sinais” do tempo vivido. Com isso, alguns indivíduos ficam mais vulneráveis a sentir algumas dores. Porém, a dor não é necessariamente um sinal de fragilidade e sim um sinal de “Cuide-se, você merece!”

Quais os melhores estímulos para sair do círculo da dor crônica?
Inicialmente, deve-se pensar que a dor não é necessariamente um sintoma ruim, embora nos faça sofrer bastante. A dor é antes de mais nada um alerta apontando para o fato de que alguma coisa não vai bem. Ficaríamos extremamente vulneráveis se não sentíssemos dor. A dor nos protege contra as agruras da vida. Contudo, quando ela se prorroga além do tempo necessário para a cura de uma lesão ou se prolonga porque ocorreu alguma alteração do sistema que nos “notifica” sobre possíveis ameaças é que ela se cronificou. Há inúmeros motivos para que a dor se cronifique, mas todos esses motivos estão relacionados à alterações dos centros superiores ou seja, do sistema nervoso (central e ou periférico) que ficou habituado e sensibilizado a responder com dor mesmo para estímulos que não se relacionam a ameaça ao organismo. Interromper o ciclo vicioso requer um trabalho ativo, multidimensional, que inclui desde a medicação, mas não só ela, como trabalho mental e físico. Poderíamos dizer que o primeiro passo é enfrentar o desespero. E não se deixar levar por ele.

Como evitar que a dor cause depressão?
A depressão, do ponto de vista psicológico e não biológico, em poucas palavras poderia ser traduzida pela vivência da falta de perspectivas. Certamente, na depressão ocorrem alterações de mediadores químicos, porém, já está bem estabelecido que o enfrentamento comportamental da depressão é um dos elementos que juntamente com as alterações bioquímicas levam os indivíduos a melhorar sua condição depressiva. Com isso, estamos dizendo que não agir no sentido de tentar enfrentar os problemas relacionados à depressão é tão ou mais pernicioso do que não tomar remédios.

Como a família pode avaliar que é um quadro mais sério envolvendo o emocional?
Quando alguém se encontra numa situação em que perdeu a capacidade de trabalho, seja remunerado ou não, ou seja, de manter ativo para se sentir produtivo, e perde a capacidade de amar ou seja, de dedicar-se aos entes queridos ou “investir” em desenvolver atividades que lhe tragam satisfação, então, a situação é de alerta extremo e necessita de cuidados tanto para a depressão como para os demais sintomas relacionados. Com certeza não se deve aguardar que se chegue a tal ponto. Buscar ajuda desde os primeiros sinais de desesperança e desespero é sempre o melhor caminho.

A dor contínua leva à tristeza, ao desânimo, às noites mal dormidas. Que tipo de tratamentos multidisciplinares podem ser usados?
O tratamento da dor, particularmente a crônica, como dissemos é multidimensional. Tomar remédios é fundamental, mas tomar atitudes, que visem a mudança de hábitos e mudança comportamental, também. Com isso quero dizer que buscar ajuda de tratamentos que visem o agir, mudar as atitudes é tanto ou mais reestruturante do que a medicação. O tratamento psicológico, nestes casos, não se relaciona ao fato de a pessoa necessariamente ter desenvolvido um quadro psicopatológico, mas visa a reestruturação dos hábitos comportamentais e esquemas mentais que sem consciência se desenvolveram ao longo do tempo e estão perpetuando os esquemas que não servem mais.

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