IDEAC Instituto para o Desenvolvimento Educacional, Artístico e Científico


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O Ideac quer homenagear todas as mães, não só as mães maduras, como é o foco do nosso interesse, mas todas as mulheres que receberam o dom da maternidade. E são muitas:

Há mães que criam e educam seus rebentos desde que são bebezinhos – mas há mães que não têm esse privilégio, mas continuam sendo mães;

Como os rebentos crescem, há mães de adultos – há até mães de outras mães… e todos dizem que os filhos dessas mães mais jovens recebem tanto ou mais amor por parte das mães delas;

Há mães e filhos que dividem o mesmo teto; há mães e filhos que moram perto; há mães e filhos que moram longe;

Há mães e filhos que se comunicam sempre, presencialmente ou via internet. Há mães que não se comunicam com filhos há tempos, mas continuam sendo mães;

Há filhos que só podem se comunicar com suas mães em oração, pois elas já cumpriram seu ciclo de vida na Terra, mas elas continuam sendo mães presentes;

Há mães cujos filhos seguem seus valores de vida; há mães cujos filhos têm pontos de vista sobre o mundo e a humanidade totalmente diferentes, mas elas continuam sendo suas mães.

Há mães que hoje, celebrarão a data ao lado de filhos, de netos. Há mães que hoje, por conta desses tempos difíceis, celebrarão sozinhas, mas com a certeza que de coração estarão todos juntos.

A todas, nossa homenagem muito especial.

 


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Por Giulio Vicini (*)

Minha irmã e seu marido Giuseppe resolveram festejar seu octogésimo aniversário, convidando toda a família ampliada para um almoço em um agriturismo (uma empresa agrícola que opera no setor turístico oferecendo restauração e hospedagem), situado em um lugar bucólico perto de sua cidade. Cunhados, filhos, netos, sobrinhos e sobrinhos netos, ao todo 38 pessoas, foram festejar com eles. Escrevi para eles o que segue.

“Caríssima Giuliana, a diferença entre celebrar os 8 anos e os 80 é que aos oitenta há uma riqueza de vida inimaginável aos 8 anos. Nesta idade acabávamos de sair da casca e nos olhávamos em volta com muita curiosidade, mas a breve distância dos nossos pais, que marcavam a circunferência de nosso mundo. Aos 80 anos o mundo nos rodeia em toda sua imensidade terráquea e espacial. Podemos mesmo nos imaginarmos na lua ou em qualquer outro planeta de uma galáxia qualquer do universo.

Aos 8 anos nossos pais nos indicavam como devíamos nos comportar para desvelar o mundo, com precaução para não nos deixar amedrontar pelos perigos da existência.

Aos 80 sabemos de longa data que a existência é sim perigosa, mas que com calma e audácia podemos percorrê-la até onde a vida nos sustentar.

Aos 8 anos esperamos descobrir todos os meandros da vida e nos maravilhamos diante de todas as descobertas. Aos 80 sabemos que não teremos vida suficiente para conhecer tudo o que desejaríamos, porque a vida é finita, mas a existência é infinita.

Aos 8 anos achamos que podemos incorporar todas as grandes forças do mundo para conquistá-lo. Aos 80 sabemos que nossas forças são bem limitadas, mas que, todavia, nos permitiram deixar nossas marcas no tecido da vida, marcas que puderam se materializar inclusive nas pessoas às quais demos a vida física e espiritual e que agora a rodeiam para festejar o seu octogésimo aniversário.

Giuliana, você tem sido e continua sendo demais!   Beijão. Giulio”

 

Depois da festa, Giuliana escreveu para todos que haviam participado do almoço de aniversário a mensagem de agradecimento seguinte.

 

“Caríssimos todos e todas,

Escrevo para agradecer a vocês, porque sem sua participação tão calorosa e numerosa a festa não teria sido tão bonita. Sentimo-nos objeto de muita atenção e afeto e por isto somos muito agradecidos a vocês.

Dito isto, estamos arquivando nossos primeiros oitenta anos (é uma maneira de dizer, não pleiteamos o dobro disto!) e começamos a escrever o último capítulo de nossa história que é também o mais difícil. Em um romance, que é também uma metáfora da vida, o último capítulo talvez seja o que mais influi sobre o julgamento do leitor, porque pode resgatar uma história medíocre ou enfadonha, ou desapontar, se concluir mal uma narrativa emocionante.

De agora em diante esta será nossa tarefa primária, escrever um capítulo que, apesar do que puder acontecer independentemente de nossa vontade, longo ou breve que for, nos faça concluir a vida serenos e satisfeitos.

Novamente obrigada e um abraço a todas e todos. Giuliana.”

 

(*) Giulio Vicini é Mestre em Gerontologia, psicólogo, self-healing e integrante do grupo de reflexões do Ideac


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(Por Santana Filho)

Eu a vejo tão raramente, essa velha tia, o tempo escasso. E se acontece de nos encontrarmos por acaso, um velório de família, o pastel na feira, ruas do centro, renovo as promessas que nunca decido cumprir – depois desapareço outra vez.

Hoje, observando-a passar pela calçada de lá, segurei o impulso de cruzar a rua ao encontro dela, a deixei seguir, fiquei olhando.

Suas costas arquearam, mas ela aprendeu a pisar no chão ocupando todo o sapato. Usa bengala, e pintou, de lilás, os cabelos brancos, fios de seda esgarçando ao vento que nem sempre faz. As pernas em arco passaram por alinhamento, e onde atravessaria um elefante, hoje cruzaria um gato angorá. O vestido bate na dobradiça posterior dos joelhos, sinto que ela exala a mesma alfazema, ainda que não a alcance de onde estou – não calça meia por dentro do sapato fechado.

Eu poderia apressar o passo e enlaçá-la por trás, repetir as palavras que a fariam se voltar para mim com os antigos olhos de espera. Sugerir sorvete de pistache, café de coador, chocolate ao leite quente, algodão doce no parque.

Tamanha integridade de passos e bengala, porém, me faz esbarrar e deixá-la seguir, salva das promessas inúteis e dos docinhos insalubres.

Toda livre de mim.


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menino

Em um dos exercícios do curso Memória, Cognição e Criatividade,  desenvolvido pelo Ideac com a coordenação da psicóloga Sonia Fuentes, a arte-educadora Cristiane Pomeranz, uma das participantes, escreveu um belo texto que publicamos hoje. Ela explica: “Acrescentei alguns pensamentos já que a foto do menino de Alepo não saía da minha cabeça e eu só pensava nos cheiros que ele deve ter sentido. Se ele conseguir envelhecer, que velho ele será com essa memória tão cruel? Enfim….segue um texto. Desta vez não consegui falar de arte, como sempre faço.  Minha angústia não deixou espaço para ela”.

menino-de-alepo

Viver é emocionar-se. É ser afetado pela vida e por tudo que ela nos oferece.

Ao longo do caminho construímos relações de afeto e nos deixamos afetar por sensações, repletas de alegrias e tristezas registradas por nosso cérebro e transformadas em memórias evocadas e resgatadas sempre que associações são feitas em cima de fatos que nos remetem aquilo que já foi sentido.

Tive a alegria de viver uma infância rodeada de amor e de brincadeiras.

Nascida em cidade grande, meus pais encontraram uma maneira de inserir o campo no contexto de minha vida.

Cresci brincando numa chácara que ficava na cidade do meu avô, pertinho de São Paulo e que serviu como refúgio da família para os sábados e domingos.

Tudo era simples, despojado e eu amava essa maneira de existir, com pés no chão e ralados nos joelhos. Em meio aos cachorros, terra e plantas passava meus fins de semana.

Ao final do dia, exausta de tanto brincar, me aprontava para sossegar um pouco com um banho quente e demorado. Naquele tempo não imaginávamos esse problema todo de escassez de água. Após o banho e, antes de vestir o pijama, banhava-me de “Seiva de Alfazema” e com isso sentia no seu cheiro a certeza de ter vivido um dia glorioso.

As festas da família eram sempre com comidas gostosas feitas em um tempero delicioso. Comemorávamos a vida, muitas vezes com feijoada feita no fogão a lenha. O cozimento das carnes e do feijão era demorado e a chácara se enchia de um cheiro memorável. Não dá para esquecer.

O sabor da comida, das verduras tiradas da horta e até da formiga iça, uma espécie de formiga tanajura que, pasmem, comíamos, continuam registrados na minha memória.

Confesso que isso tudo me fez desenvolver uma percepção da vida cheia de valores, que ao meu ver, me fizeram ser quem sou.

Se colocarem um perfume francês e uma alfazema e pedirem para dizer qual cheiro prefiro, a resposta é evidente já que dentro do vidro de Alfazema existe, além do cheiro, uma história e uma infância. E é minha história repleta de olfatos e sabores.

Recentemente soube que meu irmão tem a mesma loucura por essa lavanda. Incrível a felicidade despertada nele ao recebê-la de presente. Nossa infância estava de volta, engarrafada, rotulada e vendida por um pequeno preço e em qualquer farmácia.

Mas não posso falar nessas memórias olfativas sem lembrar da morte de meu cachorro. Depois de atropelado, ele morreu em meus braços de criança e do seu corpo, exalava um cheiro muito forte que provavelmente vinha da hemorragia interna que ele estava tendo. Esse cheiro de morte anunciada eu jamais esqueci.

Hoje, ao olhar o jornal, vejo a fotografia do menino de Alepo.

A Guerra Síria é a prova do absurdo que a maldade humana faz no mundo.

O menino de nome Omran, fotografado pelo fotógrafo Mahmud Rslan, minutos depois de escapar de um bombardeio contra sua casa em Alepo, é o retrato da desumanidade existente no mundo.

Sentado no banco da ambulância seu olhar era perdido e ele estava mudo e estarrecido por essa situação de aberração contra a inocência de uma criança.

Sujo pelos escombros e com o rosto ensanguentado, o menino passa sua pequena mão no rosto na tentativa de limpar algo que escorre e o incomoda. Ao olhar para sua mãozinha, o sangue é percebido e a cena, que nós, de nossas casas cheirosas e confortáveis pudemos ver, era de um menino tentando compreender o inaceitável e o incompreensível.

O cheiro de sangue, das poeiras e dos escombros estarão registrados na memória de Omran e se ele tiver a oportunidade de crescer e envelhecer, eu, daqui da minha casa quentinha, vou estar torcendo para que o mundo o favoreça e o ajude a resignificar sua vida e todo esse absurdo.

A inconformidade que sentimos ao ver tal fotografia, acompanhará o caminho do menino. A dor que ele sentiu e viveu com tamanha indagação sobre o viver estará gravado em sua memória.

O velho Omran, se chegar a existir, terá que ter tido forças para se reconstruir como sujeito em meio aos destroços, para assim, conseguir viver sua velhice sem amarguras.

O jornal de hoje foi perturbador. E está difícil lidar com essa situação de quase conformismo já que não encontro meios de dizer: Parem essa guerra! Em nome de Omran e de todos inocentes estraçalhados! Parem com esse absurdo! Favoreçam o viver! Favoreçam o envelhecer! Deixem as crianças da Síria crescerem e envelhecerem sem o horror da burrice de uma guerra!

Meu olhar também está estarrecido! Eu toda me sinto congelada e de mãos amarradas.

Olhei a foto no jornal, do meu rosto algo também escorre. O sangue do rosto do menino transformado em lágrimas em meu rosto.

Sinto muito menino. Eu queria mesmo era poder modificar a sua história e te dar um outro momento, talvez com o cheiro da Alfazema permeando sua infância.

Queria olhar para você e te falar de arte, de afeto e de um mundo de paz.

Queria muito.

Mas o mundo é injusto e as pessoas são feias. Pena você ter descoberto isso tão cedo e de uma maneira tão cruel.

Mas sabe, menino: em meio a tanto absurdo existem pessoas boas e doces.

O mundo é feio pois algumas pessoas muito ruins o fazem assim. Mas nem todos são dessa maneira. Juro a você.

Os campos de alfazema existem e eu vou torcer para que você e todos que sofrem com essa guerra, possam descobri-los e explorá-los em seus cheiros e cores.

A vida é também feita de escombros, mas ela não é só isso.

Acredite em mim e se deixarem e a paz permitir, procure seus campos floridos.

Cure suas feridas. Estanque esse sangue que jorra no rosto e no coração.

Sinto muito Omran, sinto muito…

 


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santa-ifigenia

Hoje reproduzimos em nosso blog uma crônica do nosso companheiro Waldir Biscaro, filósofo e psicólogo pela PUC/SP, onde foi professor por mais de 20 anos. Especialista em Psicologia do Trabalho, Waldir atuou em várias empresas públicas e privadas nas áreas de desenvolvimento e de saúde do trabalhador.

Pega ladrão… Ou não?

Foi depois do almoço. Ia eu pelo viaduto do Chá em direção ao centro novo. Nesse tempo, as calçadas do viaduto eram mais estreitas do que hoje e, por isso, tinha-se impressão de haver mais gente andando por lá, especialmente nesse horário de pós-almoço. Andava tranquilamente, quando ouço, em meio ao burburinho: Pega, pega!

Olhei para frente e notei uma agitação no meio da multidão e logo em seguida percebi um rapaz que vinha em disparada e na minha direção. No momento em que o sujeito iria trombar comigo, tirei o corpo fora e estendi a perna com a intenção de derrubar o “marginal”. O sujeito tropeçou, quase caiu, mas continuou correndo.

Passado o susto, me senti um cidadão que acabava de cumprir seu papel. Não consegui derrubar o “meliante”, mas dera-lhe uma lição.

Continuei minha caminhada e, quando chegava ao fim do viaduto, alguém furioso se postou a meu lado e, aos berros, me falava: “O senhor não tem consciência, quase derruba um artista que está trabalhando”.

Não entendi nada. Olhei ao redor, meio constrangido, e só então notei que havia uma equipe de filmagem que gravava a cena de fuga de um ator!!!!

Por pouco, não entro para o cinema …. como vilão.