O homem é um ser em permanente construção e a idade não deve ser uma limitação para interromper esse processo. Nesse artigo, o psicólogo Waldir Biscaro mostra que o idoso pode estabelecer para si algumas metas que ele entenda como essenciais em sua vida. Mas não apenas o idoso precisa acreditar que tem um potencial ainda a ser desenvolvido. É necessário que pessoas ao seu entorno também acreditem e estimulem essa crença. Esse e muitos outros artigos, vídeos e depoimentos você encontra em nosso site http://www.ideac.com.br.
Assunto encerrado
Toda vez que penso em sugerir a pessoas mais idosas que reflitam sobre as possibilidades de se prosseguir em seu desenvolvimento pessoal e de não pararem de investir em si mesmas em vista de sua plena realização, acabo me perguntando: Tem cabimento, a essa altura do campeonato, falar em prosseguir, em continuar a investir, quando tudo já deveria estar concluído?
Para se responder a essa indagação, temos de apelar para a crença de que há vida após a maturidade cronológica, há potencial humano a ser desenvolvido e há ainda em nós espaços a serem preenchidos.
Então tem todo cabimento falar-se em continuidade. O homem é um ser incompleto ou, melhor, um ser em permanente construção e, enquanto for vivo, compete-lhe completar o que foi iniciado lá em sua infância. Se fosse anjo ou se fosse pedra ele estaria dispensado de se preocupar com essa busca de completação. Como ser pensante, dotado de arbítrio e consciente de sua situação no mundo, ele pode e deve construir seu pleno desenvolvimento ou chegar o mais próximo possível dessa plenitude.
Desenvolvimento pleno é o objetivo e mesmo que tal objetivo não seja atingido, cabe a cada ser humano definir metas intermediárias que o aproximarão da tal plenitude. As metas funcionam como etapas de aproximação.
E de que metas estamos falando?
Em princípio poderiam ser metas de qualquer natureza, pois elas dependem dos valores que cada um assume para si – metas de bem-estar, metas de realização artística, metas de realização profissional –todas de muito significado. Hoje, porém, gostaríamos de falar de metas de aprimoramento emocional, tema que caberia a todos os membros dessa imensa confraria dos veteranos.
Aprimoramento emocional?
Quando se fala em aprimoramento, não se parte do zero. Parte-se do ponto em que se está e isso não é tão pavoroso assim. Sabemos de idosos que tomaram consciência de que suas capacidades ainda estavam intactas e que, agora, tais capacidades poderiam ser potencializadas por toques de sabedoria. Tais casos são vistos como exceção quando, na realidade, eles deveriam ser mais generalizados. E nem é necessário apelar para grandes nomes para se demonstrar a viabilidade de continuidade de desenvolvimento emocional e de aperfeiçoamento humano após os sessenta, setenta, oitenta, noventa ou mais anos.
Na maioria das vezes o impedimento para que ocorra esse desdobramento do potencial de tais pessoas está entre os que as rodeiam. É que esses se guiam por pressupostos que estabelecem o encerramento da capacidade do idoso de seguir em frente. O pior de tudo é que o idoso, por acomodação ou por se sentir frágil para reagir, acaba cedendo a tais limitações, cumprindo um script que lhe é imposto de fora.
Por aí, percebe-se que não apenas o idoso precisa acreditar que tem um potencial ainda a ser desenvolvido. É necessário que pessoas ao seu entorno também acreditem e estimulem essa crença.
Com os recursos de que se dispõem, nos últimos anos, o idoso de hoje é mais saudável, pelo menos do ponto de vista físico. Agora está na hora de se cuidar com mais atenção da continuidade de seu crescimento emocional. Crescimento emocional é algo maior do que entretenimento, é maior do que ocupação e maior que convivência com seus iguais. Não que tudo isso não seja importante, mas tudo isso é apenas o básico. Queremos uma proposta que signifique realmente um avanço.
É claro que estamos falando em mudança e por onde se inicia um processo de mudança de comportamento humano?
Se seguirmos um roteiro racional, lógico, como modelo básico e adaptável à maioria das situações, diríamos que toda mudança de conduta tem sua raiz na forma de pensar e, muito mais, na forma de se pensar, ou seja, na forma como a pessoa se julga a si mesma. Tudo começa então com uma tomada de consciência.
Essa tomada de consciência consiste em um esforço de autoavaliação, quando o indivíduo faz uma espécie de balanço de sua vida, destaca pontos positivos e negativos e aprofunda com isso seu autoconhecimento. Sem essa tomada de consciência fica muito difícil estabelecer metas de correção e de avanço.
A partir desse balanço, a pessoa passa a ter as condições para definir os rumos a serem tomados na construção de uma nova etapa de vida. Trata-se, pois, de um ato de vontade em que o indivíduo resolve investir em mudanças de valores, em mudanças de atitudes perante a vida. Isso significa, também, dar continuidade ao processo de auto-realização que, para muitos, já era considerado um capítulo encerrado lá atrás, na meia idade.
Enquanto se é vivo, o homem não tem o direito de estacionar. Pode sim se alegrar, pode se orgulhar do que realizou e tudo isso deve servir de combustível para novos avanços em novas direções, nunca para se acomodar.
Fixar metas
Apenas como exercício mental, vamos destacar algumas metas que poderiam ser explicitadas e que caberiam a um número maior de idosos. O que vem a seguir não deve ser entendido como receituário. São simplesmente indicadores de maturidade emocional adequados à situação da pessoa que vive essa fase de desenvolvimento.
O conhecimento desses indicadores ajuda em um processo de autoavaliação e de reflexão e permite a fixação de algumas metas de crescimento ou de correção:
– Interesse pelo próprio desenvolvimento – A pessoa precisa fazer um ato de fé em si mesma, sabendo que nada acontece se ela não se movimentar em direção à sua maior realização.
– Respeito ao corpo – Não ser mais jovem não quer dizer rejeição ao próprio corpo. Dedicar ao corpo mais atenção do que na fase anterior. Até um tanto de vaidade será perfeitamente aceito e recomendado. O desleixo jamais será tolerado.
– Bom humor e capacidade de brincar – Esse é um dos sinais mais claros de sanidade mental, pois essa atitude representa maior abertura perante a vida e desprendimento ante a transitoriedade das coisas. Mais ainda, ela capacita o idoso a rir de suas próprias limitações, sem que se sinta constrangido.
– Busca de novos interesses – Ao invés de reduzir sua visão de mundo o idoso vai descobrir novos temas pelos quais se dedicar. Pelo fato de não estar mais amarrado a compromissos profissionais formais, ele pode eleger interesses com muito mais liberdade e sem preocupação com status.
– Pensamento anárquico – Pode parecer heresia, mas trata-se de uma estratégia pessoal para escapar do modo geral de se pensar o mundo. Começa-se com uma forma de dúvida metódica.
– Sentimento de ser necessário – Sentir-se útil já é alguma coisa, agora é preciso encontrar uma forma de se fazer necessário. Aqui é que o idoso vai usar de toda sua criatividade para perceber junto a quem ou em que situação poderá “exercer” um papel de ser necessário.
– Renovação e ampliação dos relacionamentos – A perda dos velhos companheiros é fato inelutável. A única providência a ser tomada é a busca de novos contatos junto às gerações abaixo. Para que a aproximação se dê sem atritos a saída é demonstrar interesse pelos assuntos dos mais jovens.
Para finalizar. Os indicadores acima são apenas alguns exemplos de como o idoso pode estabelecer para si algumas metas que ele entenda como essenciais em sua vida.