Durante 38 anos Iracema Nogueira foi publicitária, atuou como atriz, dubladora e locutora. Aos 60 anos, a dificuldade de arranjar trabalho constante na publicidade fez com que buscasse outras opções e começou a organizar eventos, uma área que ela conhecia bem. Nesses eventos conheceu a profissão de celebrante, se apaixonou e resolveu investir nela, usando seus conhecimentos para fazer do seu jeito. E deu certo. Ela diz que conseguiu juntar o melhor dos mundos: “Tenho trabalhado como publicitária, em jobs pontuais, o que me dá um grande prazer, e como celebrante, o que me energiza e me faz sentir plena por saber que consigo mexer com as emoções das pessoas. Claro que tive e sigo tendo que adaptar minha vida e meus gastos a essa nova realidade, bem diferente de quando eu trabalhava em grandes empresas, mas essa transição após os 60 anos me fez renascer e trouxe experiências e emoções que jamais imaginei vivenciar”. Acompanhe sua entrevista:
Como virou celebrante?
Como publicitária sempre trabalhei na área de produção (de comerciais para TV) e durante anos tentei pensar num plano B, mas nunca consegui parar e pensar seriamente. Como, aos 60 anos, me vi desempregada pela primeira vez na vida, enquanto buscava trabalho na minha área, achei que era hora de colocar para funcionar alguma outra atividade que tivesse a ver com as minhas habilidades de organizar/gerenciar “grandes circos” e percebi que eventos seria uma boa alternativa e que me daria prazer.
Busquei informação sobre este segmento, frequentei alguns dos muitos workshops que existem, e me tornei uma assessora, fiz um site e comecei a trabalhar. Paralelamente trabalhava como publicitária, pois havia conseguido colocação numa produtora de vídeos (trabalho bem diferente dos anteriores, que eram em agências de propaganda, e que ocupava menos do meu tempo). Levei assim por um ano, e foi neste período, nos trabalhos como Assessora de casamentos, é que descobri a atividade de Celebrante – mulher – de casamento. Eu me apaixonei e me perguntei se teria a capacidade para exercê-la.
Como descobriu a vocação?
Descobri porque sabia extrair um briefing de um cliente em agência de propaganda, portanto saberia extrair a história de um casal, numa entrevista. Sabia escrever e resumir um briefing, portanto saberia desenvolver o texto de uma celebração, que é baseada na história do casal. E, por fim, falar em público não era problema, pois já trabalhei como atriz. Novamente fui em busca das possibilidades de formação nesta área, percebi que teria que traçar o meu próprio caminho e celebrar à minha maneira, usando o meu jeito, a minha descontração, ao invés de criar uma personagem formal que, muitas vezes, vem à mente quando se pensa num Celebrante. E logo percebi que há espaço para todos os tipos/personalidades. Há quem busque uma celebração com tom formal e há quem prefira uma certa descontração, alegria, sem deixar de se emocionar, claro, que é onde me enquadro.
A profissão está na moda?
Não sei se é exatamente uma moda, mas é uma alternativa que tem sido procurada por casais de noivos que querem realizar a celebração no mesmo espaço da recepção (sitio, buffet, salão de festa do prédio, casa de campo etc) e percebo que é mais popular nas grandes cidades que nas cidades do interior, onde casar na igreja ou templo ainda é o usual. Eu tenho uma teoria: nas grandes cidades há o grande problema do deslocamento, de estacionamento, de segurança, e acredito que isto contribua para os casais optarem por fazer tudo num local só. E, claro, neste caso, para os católicos é impossível ter um padre, pois eles não podem celebrar fora da igreja, e também há muitos casais de religiões diferentes, ou agnósticos, ou ateus.
Não há um padrão?
Como a celebração é poética e formatada conforme as crenças religiosas (ou não) e de vida do casal, tudo é possível. Não podemos esquecer os casais homoafetivos, que praticamente não têm outra alternativa. E há um segmento que eu amo: o celebração de bodas ou renovação de votos! Qualquer boda. Não precisa ser 25 ou 50, 60 anos. Sempre há muita história, muita emoção, envolve filhos, netos e anos de momentos importantes, bonitos e também divertidos para contar. E a celebração, nesses casos, envolve a participação desses filhos e netos, o que torna tudo muito bonito.
O que é preciso para ser celebrante?
Antes demais nada, ter desenvoltura e tranquilidade, gostar mesmo de falar em público. Mas, antes disso, saber extrair do casal o que há de interessante na história deles (e sempre há, pois toda história de amor é uma grande história) e ter a capacidade de escrevê-la, levando em conta o timing e a forma para que ela não se torne uma simples biografia, uma timeline da vida deles. Tem que ser escrita e depois contada de maneira interessante, pensando no tempo para gerar reação quando cito algo divertido ou quando falo de fatos sérios e emocionantes. É como se fosse a edição de um filme, e aí mora outra competência que jamais pensei que usaria fora da área de propaganda ou cinema: o timing certo para contar uma história e fazer as pessoas se envolverem e se emocionarem.
Como funciona? Você encontra os noivos antes?
Em geral me encontro com os noivos antes de fecharem de vez. Se eles já assistiram alguns vídeos que tenho e se interessaram, marcamos um café, sem compromisso, para que me conheçam. Como sempre digo, para sentirem se vão com a minha cara. A maioria pede para pensar, até porque costumam conhecer vários celebrantes antes de se decidirem. Alguns fecham, outros não, pois este encontro é decisivo para sentirem se há empatia ou não. Uma vez fechado, se houver o efeito civil teremos que começar a nos falar mais frequentemente, cerca de três meses antes do evento, mas para fechar o conteúdo da cerimônia só marco de conversar por volta de um mês antes. É uma conversa de umas duas horas ou mais e é a base para tudo que vou criar.
Para você, o que é essencial para fazer uma bela cerimônia?
Empatia e confiança do casal em relação ao Celebrante, pois estarão entregando nas mãos dele a condução de um dos momentos mais importantes da vida deles. Eu, como Celebrante, tenho absoluta consciência da minha grande responsabilidade, pois não posso falhar, errar, não emocionar. E para isto não há outra maneira a não ser me colocar de corpo, alma e principalmente de coração, ao escrever e ao celebrar. Sou chorona, então já aviso os casais que fatalmente chorarei… Se não for assim, não faria sentido para mim celebrar. Quando o casal se entrega e acontece uma cumplicidade grande entre eles e eu, é mágico! Nossas trocas de olhares, a reação deles ao que falo, ao ouvirem a própria história contada de uma maneira diferente, chegam aos convidados e envolve todo mundo numa energia incrível!
Geralmente são os jovens que recorrem a um celebrante?
Todas as celebrações de casamentos que realizei foram de casais entre 20 e 40 e poucos anos, mas já celebrei uma Bodas de Diamante linda! Um casal americano de 80 e poucos anos, cujos filhos participaram pelo skype, lá dos US. Celebrei em inglês e foi inesquecível. Portanto, não é uma questão de idade, mas “de cabeça”, de pessoas que buscam uma forma diferente para celebrar o amor. Aliás, faço questão de chamar de celebração e não de cerimônia, porque, para mim, é um momento de profunda alegria, de compartilhar esse momento com quem o casal ama, com quem faz parte da história deles.
Há alguma ligação com religião?
Eu sou uma Celebrante laica, mas eu diria que 80% dos casais que me procuram têm alguma crença, porém a grande maioria prefere que o tom de religiosidade seja ecumênico, até mesmo em respeito aos convidados e familiares, que costumam professar religiões variadas. Nesses casos, falo sobre um Deus universal, energia suprema do Universo. Mas há casos em que claramente falamos de uma religião, fazemos uma oração, ou leio um trecho da Bíblia escolhida por eles. E houve uma, judaico católica, que foi lindíssima! O noivo, paramentado para um casamento judaico, a noiva, com um terço enorme, lindo, e no final entraram os avós de ambos, levando a taça para o noivo realizar a cerimônia da quebra da taça (para a qual contei com a ajuda do pai dele que fez a oração em hebraico) e a avó levou uma Nossa Senhora que foi em um pequeno altar.
Há vários tipos de cerimônias?
Dentro do pequeno roteiro da celebração há o momento de realizar uma cerimônia de união, como costumo chamar. Proponho uma das quatro que são as que mais me falam ao coração: areias coloridas, ou o plantio de uma arvorezinha, ou a cerimônia das luzes/velas ou, ainda, a cerimônia dos vinhos. E também já tive o prazer de criar duas, específicas, baseadas nas raízes étnicas dos casais (Irlanda e Japão). Para maio, estou trabalhando na criação de uma que será baseada na energização da água. Adoro quando me propõem o desafio de criar algo novo, pertinente àquele casal.
Pode contar algum caso interessante em uma celebração?
Ah… tem várias situações gostosas que acontecem. Uma delas é quando, através do texto e do tom como coloco, consigo instigar algum convidado a dizer algo, a brincar, enfim, a interagir. E já aconteceram várias intervenções deste tipo, sempre muito gostosas. Outra situação que é muito emocionante é a participação intensa e carinhosa das famílias nos casamentos homoafetivos. É muito bonito sentir que o amor pelos seus filhos ou filhas fala mais alto do que qualquer convenção. Mas, o mais prazeiroso é o final da celebração, quando abraço os noivos e eles me dizem “foi a nossa cara”, ou quando algum convidado vem me perguntar a que turma de amigos pertenço, pois sentiram tamanha intimidade com a história do casal que acham que sou uma amiga que eles não conheciam.
(*) O contato de Iracema é iracema-nogueira@uol.com.br